domingo, 24 de março de 2013

A BUSCA PELA SEGURANÇA ALIMENTAR

A sociedade em que vivemos é mesmo muito contraditória: ao mesmo tempo em que estabelece que na divisão sexual do trabalho, cabe ás mulheres as tarefas e as preocupações com a alimentação de cada família, nega a elas o papel de protagonistas,seja na definição das políticas de segurança alimentar, seja como beneficiárias dessas políticas. Assim quando se tratada produção agrícola, é comum as mulheres serem ignoradas no seu papel de produtoras de alimentos. N ão recebem créditos nem assistência técnica, e não reconhecidas como candidatas á propriedade da terra para fins de reforma agrária. Nas periferias urbanas, as mulheres (muitas delas chefes de família), tem a obrigação de esticar o pequeno orçamento doméstico e tentar fazer milagres para que todas as pessoas dentro de casa tenham o que comer. Porem, elas não são alvo das políticas de emprego, por exemplo. E não existem equipamentos públicos suficientes (como creches, escolas, centros de convivência,ou mesmo feiras e mercados com preços controlados) que permitam aliviar a pressão que sofrem para dar conta de todas as suas responsabilidades como trabalhadoras e mães. Nos postos de saúde, elas muitas vezes só recebem algum benefício quando estão grávidas ou amamentando. Não há uma preocupação com com as mulheres como indivíduos que, por sua situação especifica na sociedade -ganham menos, tem piores empregos, trabalham duramente fora e dentro casa (etc)- tendem a sofrer muitos mais doenças ligadas á desnutrição, além (etc).Ainda por cima as mulheres, sejam urbanas ou rurais, são absoluta minoria nas instancias de decisão (conselhos, fóruns) onde se discutem tais políticas públicas. SONHOS OU PESADELOS Essa situação decorre de dois fatores: Em primeiro lugar, de uma cultura que estabelece que o ideal, em termos de relações familiares, é uma família formada por um casal e suas crianças, na qual a mulher fique em casa cuidando do demais membros (crianças, doentes, pessoas idosas e do próprio homem)e o homem trabelhe fora e ganhe o suficiente para o sustento familiar. A contrapartida desse sonho ideal (na verdade, é um pesadelo para muitas mulheres) é a subordinação a que ela deveria se submeter. Quando trabalha fora de casa, é em funções subalternas, ganhando pouco, em profissões sem prestigio; dentro e fora de casa será sempre uma cidadã de segunda categoria, sujeita a todo tipo de violência (desde os estereótipos das propagandas de cerveja até a violência domestica sexual-embora seja sempre glorificada por sua abnegação no dia das Mães). Sabemos que essa família idealizada deixou de ser realidade há muito tempo, se é que existiu algum dia, seja porque a situação econômica apertou ( e muito), seja porque as próprias mulheres não querem mais se submeter a esse modelo.cada vez mais arcaico, e.Cada vez mais reivindicam o direito de serem pessoas integrais, valorizadas pelas suas qualidades, e que possam escolher livremente o seu destino -que não precisa, necessariamente, ser apenas o de esposa e mãe. Mas a sociedade não aceitou ainda essas mudanças e permanece tratando as mulheres como se estivessem infinitamente disponíveis para cuidar das outras pessoas, e nunca de si mesmas. Só as mulheres tem a obrigação de ser altruístas, de pensar primeiro nos outros. Para os homens, é normal que sejam egoístas. Para as mulheres, se alguma vez chegam a colocar a si próprias em primeiro lugar, é um pecado mortal. A solidariedade e o cuidado com os demais não deveria ser uma qualidade de todas as pessoas? O segundo fator que faz com que essa situação de desigualdade se perpetue é a forma como o próprio estado trata as questões que dizem respeito á reprodução das pessoas: comer, morar, educar-se, ter lazer, recebera tenção quando doente, (etc),tudo aquilo que tem a ver com a manutenção da vida. Parece que o individuo só existe para trabalhar, para gerar produtos ou serviços para a sociedade (e para as empresas). Todo o resto que as pessoas tem que fazer para sobreviver não interessa, é um problema das próprias pessoas. E normalmente acaba sendo um problema que recai sobre as mulheres. São elas que tem que fazer malabarismos para dar conta daquilo que o estado e a sociedade não proporcionam a sua população. É importante lembrar o fato de que hoje na nossa sociedade, é sobre as mulheres que caem as responsabilidades ligadas á alimentação. Mas isso não quer dizer que isso deva permanecer assim para sempre. A alimentação, assim como todos as outras questões que dizem respeito á reprodução da vida, devem ser preocupações de todas as pessoas. Mas queremos que as mulheres sejam respeitadas na sua experiencia histórica, por terem sido aquelas que, até hoje, lideraram com esses temas. É verdade que hoje em dia isso começa a mudar, quando alguns programas de transferência de renda (cartão-alimentação, bolsa família e outros) estabelecem que, prioritariamente, as mulheres deverão ser as titulares dos benefícios. Isto é importante porque vai consolidando, cada vez mais, a ideia de que as mulheres devem ter recursos próprios e gerencia-los. É sabido que um dos fatores mais importantes na manutenção da subordinação das mulheres é a dependência econômica em relação aos homens. Assim qualquer medida que proporcione ás mulheres renda, acesso á propriedade, melhor instrução, melhor emprego, será sempre bem-vindas. Quanto á segurança alimentar, é importante lembrar as lutas que as mulheres estão travando, no mundo todo, não somente para ter acesso aos alimentos, mas também para que esses alimentos sejam adequados e de qualidade, e que respeitem os hábitos culturais. A luta contra os transgênicos, por exemplo, encabeçada por agricultores do movimento via campesina e por movimentos de consumidores e consumidoras no brasil- muitos deles liderados por mulheres-são exemplos disso. As lutas contra a pobreza e a exclusão são importantíssimas quando se pensa em políticas que melhorem a segurança alimentar e, ao mesmo tempo propiciem a autonomia das mulheres. Um bom exemplo é a campanha organizada pela marcha mundial de mulheres, para dobrar o salário mínimo no Brasil em quatro anos. Quanto mais pobres, mais as mulheres estarão sujeitas aos desmandos de uma sociedade machista para tentar sobreviver, e isso significa mais violência e atraso para todas as pessoas. Criando políticas que respeitem as necessidades e os desejos das mulheres e aliviem concretamente os sofrimentos da vida cotidiana, todos e todas teremos a lucrar. Emma Siliprandi

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